Por aqui, a discussão sobre a relação entre escrita e terapia tem idade para ser minha filha, se eu tivesse tido filhos. Lembro de, aos vinte e pouquinhos, pensar sobre essa questão com uma amiga, quando falávamos de nossos falecidos blogs. Eu mantive um blog chamado “E o mundo seguiu adiante” – que nunca foi um sucesso – e ela viveu a blogosfera antes de mim, quando participar de uma comunidade ainda era o mais importante. Para ela, que depois chegou a publicar um trabalho em um formato bem experimental, a escrita estava tão ligada às suas questões que, ao iniciar efetivamente uma terapia, não conseguiu mais escrever.
Pula o filme para alguns anos depois. Atuando na iniciativa Mulheres que Escrevem, eu fui enxergando uma separação cada vez mais desejável entre escrita e terapia. Isso não era algo dito ou argumentado, era uma observação a partir do que eu lia e ouvia. O que eu lia eram os textos que diversas mulheres submetiam ao nosso Medium. Para mim, muitos dos textos “terapêuticos” eram ruins. Tentavam ser poéticos demais, eram confusos e se achavam místicos, miravam em ser orgânicos, viscerais, e acabavam cheios de frases de efeito. E o pior, não saíam de si. Eram textos que não davam espaço para o leitor.
Ao mesmo tempo, o que eu ouvia eram diversas escritoras falando do trabalho da escrita. Do investimento material e físico no ofício, da necessidade de praticar, insistir, construir novos caminhos. Escrever é um trabalho. É algo que se constrói muito fora do texto, que é difícil confinar à intimidade da terapia. Esse discurso, aliás, é o que mais encontro pelas newsletters. Escritores que eu acompanho ainda sentem que precisam mostrar o lado banal de trabalhar com as palavras - para minha felicidade, porque gosto de ler sobre isso.
Apesar de estar muito mais do lado dos escritores-trabalhadores que batem ponto na escrita, tenho pensado que há certa verdade na aproximação entre escrita e terapia. Talvez não sejam sinônimas. Mas tem algo nessa relação! No livro da Rosa Montero, ela menciona que há algumas coisas que os escritores fazem em suas histórias sem perceber. Ela, por exemplo, inclui personagens com nanismo. E não seria isso um ato falho? A linguagem, inclusive, é imprescindível para a psicanálise. É a partir dela, de suas falhas, repetições, quebras, que fala o inconsciente.
Aliás, sempre tenho receio de revelar que faço terapia. Não porque eu tenha vergonha, mas porque fazer terapia se tornou um valor na internet e, não podemos negar, um valor elitista. Fazer terapia é um dos privilégios ao qual tenho acesso, mas evito mencionar diretamente por mais que seja evidente para vocês. Lembro que depois de um texto daqui – um em que apaguei todas as referências à terapia – uma leitora me respondeu pedindo o contato da minha analista (rs).
Mas o que gostaria de falar é que, ultimamente, a escrita tem sido tema das minhas sessões. Como minha cabeça anda no livro que estou escrevendo, é dele que falo. Minha última questão foi sobre uma das minhas personagens, uma que não gosto, mas com quem (posso usar quem para uma pessoa fictícia?) gostaria de ser justa. Tenho refletido sobre como deixar o leitor livre para decidir o que fazer com ela. Como resultado, tenho descoberto minhas próprias contradições. Tem sido difícil, mas ao mesmo tempo divertido, perceber que a personagem que mais gosto é histérica numa leitura psicanalítica. Além disso, todo esse exercício de levar a escrita para a terapia tem retornado como compromisso de dar às minhas pessoas fictícias pelo menos um pouquinho da complexidade das nossas relações.
Vícios dos últimos dias
Assisti à série A nova vida de Toby (Fleishman Is in Trouble), na Star+, nos dias em que Babi me visitou em São Luís. (Inclusive, leiam a newsletter dela sobre o São João) Foi uma indicação da Flávia Iriarte, depois de ler algumas páginas do que estou escrevendo. (Como eu gostei da série, acho que é um bom sinal!). Infelizmente, nem Babi e nem o meu estável curtiram muito a série, mas eu fiquei um tanto encantada com a narradora-personagem e achei que o roteiro conseguiu dar um tratamento justo aos personagens. Todo mundo é chato e cheio de crise, mas ninguém é vilão.
Estou lendo, finalmente, o livro da Vanessa Barbara, Três camadas de noite. Ainda não terminei, pois assumi a missão de viver intensamente o São João com minha amiga e porque dei prioridade ao livro do clube, mas o comecinho já me fisgou demais. Não vejo a hora de terminar!
Na quinta (04/07), às 19h30, temos o segundo encontro do Clube de Literatura Erótica que estou mediando. Vamos comentar A História de O, de Pauline Réage. É um clássico da literatura erótica do século XX. O encontro é aberto para quem quiser. Não é obrigatório ter lido, mas também não vale reclamar de spoilers. Quem quiser participar, basta acessar o link no horário combinado.
Para ser bem honesta, o verdadeiro vício, um vício religioso, que tenho nutrido é o de jogar o que chamo de “joguinho da shopee”. Quem tiver o app do e-commerce instalado no seu celular, pode procurar e conferir com seus próprios olhos. O jogo não está no quadro regular do app, infelizmente. Ele é sazonal e a Shopee simplesmente desaparece com ele de vez em quando, me deixando sem amparo neste mundo já bastante cruel. Outra infelicidade é o fato de que não contrataram ninguém para dar um nome digno para ele, atualmente você o encontra como “Shopee Junta Peças”. Um nome que nem sequer descreve o jogo, pois ele é muito mais que “juntar peças”. Se você experimentar, me conta!