À vontade com a passagem do tempo
Achei que falaria sobre pulsos, ombros e colunas, mas, desde a última sexta-feira, tenho pensado muito sobre música. Não exatamente sobre música, mas sobre a passagem do tempo.
Este tem sido um ano bem recluso para mim. Pode ser o ciclo natural da numerologia – sabe a parada do ano pessoal? – mas também tenho uma outra teoria sobre o porquê de estar ainda mais quieta agora. Vou falar disso em algum momento, provavelmente quando for falar do filme Perfect Days (Dias perfeitos pra gente), mas, por enquanto, queria apenas contar que sábado tomei coragem para ir a um bar de rock.
Eu fui uma adolescente roqueira. Não estritamente roqueira, apenas o máximo que ser filha de um paraibano completamente apaixonado por forró me permitiu ser. Também nunca fui dada a gostar de apenas uma coisa, mas posso afirmar que minhas principais escolhas musicais entre os 15 e os 21 anos estavam na prateleira do rock/metal, se me permitir ser nostálgica e imaginar uma loja de CDs.
Há anos, pelo menos quatro, o rock e o metal não fazem mais parte da minha vida. Não cheguei a desgostar das músicas que gostava, mas, por alguma razão, parei de retornar a elas. Então, topei sair de casa, no sábado, sem nem saber o que esperar. Quer dizer, esperando o estranhamento e o desconhecido no mínimo. Acabei em um monte de pensamentos sobre já ter virado passado.
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Na verdade, nem chega a ser um pensamento surpreendente – nunca é. Ontem comemorei 35 anos e, por mais que eu me esqueça que o tempo está passando e eu também, a proximidade de um aniversário te faz pensar nessa passagem invariavelmente.
Quando a banda de rock começou a tocar Crazy in Love, o palco desfocou um pouquinho e pude ver a antiga TV de tubo – não os modelos mais antigos, mas ainda um monstrengo na sala – ligada na MTV. Não gostava muito dessa música na época, mas me fascinava a curva da bunda de Beyoncé, minha teoria era de que se tratava de uma lordose. A banda emenda Rude boy, de Rihanna, e o tempo acelera um pouco. Apesar de a música ser de 2009, só fiz as pazes com Rihanna no mestrado, quando ela se tornou uma das minhas artistas preferidas para a academia (de malhação mesmo) por volta de 2014. Essa música ainda deve estar no iPod roxo guardado na minha gaveta, mas, nossa, já foram dez anos.
Mais algumas músicas pops e a banda volta para uma sequência de System of Down e Linkin Park, e eu volto para a adolescência de novo, para minhas discussões com meu irmão sobre Linkin Park não ser bom, muito eletrônico, um rock vendido. Não sei por que reprovo o gosto musical dele, já que não sou crítica nenhuma e a verdade é que dividimos o gosto musical no amor por Within Temptation, banda que nos acompanhou muito mais.
É a lembrança dessas disputas adolescentes e juvenis sobre o que é bom e autêntico que me faz pensar mais na passagem do tempo. Estou vivendo há mais tempo que o suficiente para perceber a inutilidade de falar mal de Linkin Park ou de desgostar da Rihanna, agora tudo isso está junto em um único setlist num sábado à noite de apresentações de covers de rock.
Já devia ter parado para pensar que o rock é um gênero que anda de mãos dadas com o passado. Mas o que realmente me pegou foi me ver nesse passado. Meus pais passaram por isso. Lembro, em toda festa de aniversário da infância, que havia o momento em que alguém lembrava da “mocidade” ao ouvir uma música que, para mim, tinha cara de mil anos atrás. Hoje sou eu quem soo como mil anos atrás. E é tão gostoso se sentir passado. É como se eu fosse a prova viva de que não importa quão rápido tudo mude, tem coisa que ainda não mudou. E que talvez seja descabida a urgência e que muitas certezas levem aos mesmos equívocos. Fico querendo adivinhar que gosto o hoje vai ter quando deixar de ser presente.
Vícios dos últimos dias
Publiquei um conto novo no meu site! Era uma história que começou a ser escrita em 2022 e que ganhou essa forma final no fim do ano passado. De lá pra cá, adiei a publicação dele um milhão de vezes e, escrevendo a newsletter e conversando com vocês, percebi que tinha vergonha de publicá-lo, especialmente pelo receio de que achassem que o título do conto era sério. O título original era “Como paquerar um homem casado”, mas, na hora de publicar, acabei achando que reduzir o peso da especificação de gênero traria mais justiça para a história. Se lerem e gostarem, me contem!
Nesse semestre (2024 está voando) estudei um pouco sobre audiolivros e podcasts e, por isso, tenho voltado a esses formatos. Recentemente ouvi Praia dos Ossos, motivada pela minha pesquisa do pós-doc, e Sofia, um podcast de ficção, porque estava interessada em consumir algo desse tipo. Nenhuma das obras é lançamento, mas, se você ainda não ouvir, deixo essa indicação como um incentivo para que experimente! - Escrevi isso antes de receber uma mensagem da poeta Estela Rosa, comentando que a história de Sofia é meio ruim. Então saibam que há controvérsias!
seane!!1 deixo aqui meu abraço virtual de aniversário <3
menina, eu li esse teu texto em voz alta, sou viciada em ler teus textos em voz alta desde Digo te amo. e que leitura maravilhosa. gostei desses trechos: "E é tão gostoso se sentir passado. [...] Fico querendo adivinhar que gosto o hoje vai ter quando deixar de ser presente."
ee, como viciada em audiolivros, fiquei curiosa com o que tu tens estudado sobre o assunto, depois me conte!
Seco, apenas uma palavra: nostalgia.
Tuas palavras me confortaram em plena crise dos trinta e poucos anos. Parece que não somos nem velhas e nem jovens. E quase sempre me sinto na posição dos tios que eu mesma criticava anos atrás! Amo demais ler teus textos!!!