Tem uma expressão que a Paula Weiss usa e que eu gosto bastante. Quando ela quer dizer que está bem concentrada na produção de algo, ela diz: “eu estou na zona”. Eu nunca perguntei para ela o que vem depois de zona. Zona de criação? Zona de concentração? Talvez esta zona seja até um termo científico de algum estudo neurológico que ela já fez, mas eu tenho mania de deixar algumas coisas em aberto e me aproveitar do que elas têm de vago.
O fato é que eu achava engraçada a expressão “estar na zona”, mas, depois das últimas semanas sem conseguir pensar em muita coisa além do livro que estou escrevendo, descobri que estava trancafiada na zona da minha história. Ao procurar o significado de zona, o primeiro resultado do Google me indicou que corresponde a uma área delimitada ou um espaço que rodeia. E, mesmo sem ser essa pessoa que se prende ao significado das palavras, eu achei que os sentidos tinham tudo a ver com o que tenho sentido. A minha zona é como uma atmosfera que está encobrindo todo o meu mundinho.
Na maior parte dos dias, sinto que fui muito produtiva. Às 17h40, quando paro de escrever normalmente, estou exausta, mas ainda assim é dolorido parar para viver o resto do dia. Sair de uma realidade, que tanto lutei para me adaptar, para retornar a outra.
Parece que é a primeira vez que vivo isso. Já não lembro como foi escrever o Digo te amo. Lembro que houve um momento em que passei uma semana sentada, escrevendo, e quando eu levantava minhas pernas reclamavam. Mas, fora esse momento do vai ou racha, foi uma escrita espaçada, progressiva. Nesse sentido, acho que o novo projeto leva muito mais de mim.
Curiosamente, eu não o vejo mais como uma história minha. Ao mesmo tempo, depois de ter lido O acontecimento, da Annie Ernaux, descobri que queria que ele fosse também uma investigação dos meus registros. Datas de aniversários e feriados, conversas de WhatsApp e Facebook, e-mails, fotos, tenho revirado tudo porque é importante para mim que a ficção tenha precisão. E a precisão, a correspondência de narrativa e fatos ou evidências, é com frequência uma cilada para uma boa história.
Tenho estado mergulhada nisso tudo. E, estando na zona, tive duas percepções sobre a escrita. A primeira diz respeito ao prazer. Comecei essa newsletter para falar dos desejos que nos movem. Sem dúvidas este meu projeto está nesse âmbito. E quando comecei a pegar ritmo na escrita dele ou a dar algumas voltinhas na zona, tudo o que eu sentia era prazer. E quando mais a escrita foi progredindo, mais feliz me senti até o momento em que o prazer acabou. Isto não é uma coisa ruim. É engraçada como a analogia desse processo funciona bem com sexo. E, como no sexo, o prazer às vezes é tão bom que dói ou a dor é tão ruim que pode dar prazer. (Vocês estão lendo História de O?). Estou no momento em que o prazer se transformou em dor e não vejo a hora de colocar um ponto final nessa história para começar a movimentar o que é preciso daí em diante. Essa percepção está me mostrando que não é só o capitalismo que dificulta a criação, talvez seja sempre difícil escrever.
A segunda percepção é sobre a prática. Nas últimas semanas, tenho me sentido escritora como nunca. E é engraçado ver como isso se reflete nas pessoas ao meu redor. A única coisa que mudou é que não estou esperando ser reconhecida por esse trabalho, estou apenas escrevendo. Afinal, é isso, sempre isso, ser escritora é escrever.
PS: Peço perdão pela newsletter mais curtinha e sem links. Ainda estou na zona e por pouco não me esqueci desse compromisso. Eu tinha toda uma outra ideia para a edição de hoje. Espero estar fora da zona em poucos dias para contar para vocês sobre esse outro projeto!
achei poético pensar assim na tradução literal de "i'm in the zone" que via nos seriados. gostei mais da definição do wiktionary (de cuja existência eu tinha me esquecido): in the zone. (idiomatic) In a mental state of focused concentration on the performance of an activity, in which one dissociates oneself from distracting or irrelevant aspects of one's environment.